I'm Winston Wolfe. I solve problems.

sexta-feira, agosto 10, 2007

Os Últimos Dias de Virginia Berlim


    Biajoni constrói uma personagem aparentemente nada suicida em "Virginia Berlim", inspirado nas próprias memórias e taras. Van Sant reconstrói uma personalidade claramente suicida em "Last Days", inspirado nas derradeiras horas de Kurt Cobain. Ambos são resultado de gestações difíceis, tidas como impossíveis pelas condições exigidas pelos seus criadores para a concepção. Além de Lou Reed, a solidão/isolamento compulsório os une.

    São obras tristes, contemplativas, feitas para serem apreciadas na mais completa solitude. Nada de bacia de pipoca para “Last Days”. Nada de se esticar no colo da namorada para "Virginia Berlim". O Bia e o Gus querem você dentro do mundo que criam, seja no apartamento fumegante do primeiro, seja no gélido castelo do segundo. Neles, um contabilista sem nome e o rocker Blake (Michael Pitt) vão experimentar o que já foi cantado como Mal do Século por um certo legionário urbano, e suas vidas jamais serão as mesmas - e aí cada um que tire suas próprias conclusões.

    Mesmo assumidamente solitários, nenhum deles quer ficar sozinho. Nenhum desejou de fato aquela situação. Foram, sim, impelidos a viver um tipo de isolamento diferente daquele quando obviamente podiam escolher. São misantropos de primeira hora, não querem aquilo pelo resto de suas vidas, viver perambulando numa edícula ou numa mata livre de contato humano.
    Mas um corte profundo no pé obrigado o contabilistas em nome de "Virginia" a ficar trancado dentro de casa em pleno verão tropical. E sem poder se entorpecer de álcool por conta dos antibióticos que precisa tomar. As coisas pioram quando se envolve com Virginia, a garota sem-graça do escritório que passa a assombrar sua vida ordinária. Ela traz o embrulho no estômago, o suor frio, a ansiedade e, principalmente, a imprevisibilidade estranha a todo sujeito que mexe com planilhas de cálculos.

    Blake está só. Ainda que os companheiros de banda dividam o mesmo espaço físico da propriedade enterrada no meio de uma floresta, ele não os considera. Sequer os enxerga, imerso numa paranóia auto-destrutiva, resultado possivelmente de excessos experimentados em um curto espaço de tempo e de uma história pregressa desconhecida. O final é previsível desde a primeira cena, desnecessário dizer.

    Mas Blake não tem necessariamente um rosto. Van Sant o filme na maior parte do tempo de costas ou com os cabelos sobre a face, como se o retrato do artista fosse menos importante que o desenvolvimento de seu drama. Assim também é o contabilista do Bia, que não possui um nome, apenas a capacidade de narrar sua história de maneira direta e reta. Como uma confissão a um desconhecido.

    "Virginia Berlim" e "Last Days" são melhores diluídos se você conhecer a história por trás de cada um. Um fã de Nirvana ou da filmografia de Gus Van Sant vai saborear de maneira mais completa o filme, da mesma forma que os mais chegados do Biajone vão encontrar muito dele ali. Inevitável em se tratando de obras autorais, introspectivas até o talo.

    Além das circunstâncias misteriosas que morrem seus personagens - até um suicídio pode ser cercado de dúvidas, prova Van Sant - Lou Reed tem papel decisivo no desenrolar das tramas. Em "Virginia Berlim" é o momento em que Virginia de fato entra na vida do contabilista, que ouve "Berlin" após um telefonema dela. Em "Last Days", os amigos de Blake decidem deixa-lo de vez após uma audição de "Vênus in Furs". A partir daí o destino dos dois está decidido.

    "Virginia Berlim" e "Last Days" acabaram de chegar. Estão aí para serem degustados como dois pratos raros que não fazem distinção de paladar. Mas que exigem um pouco de entrega de seus voyers. Porque voyerismo é talvez o que melhor descreve o ato de apreciar as duas obras. Como Alex Castro bem define no prefácio, "não parece um livro, mas sim um pedaço de vida que nos foi permitido espiar". Perfeito. E vale para os dois.

Um comentário:

Fábio Shiraga disse...

Hmmm... Eu gostei muito de ler Virgínia Berlim, e claro que vi muito do Bia por ali, mas será que eu gostei por isso? Se sim, eu acho que preciso conhecer melhor o Van Sant, então. Curti muito mais o making of que o filme. O único outro filme dele que vi foi Elefant. E este sim, eu achei muito bom, mesmo sem conhecer a obra. Eu não sei se curti o marasmo que ele passou com os últimos dias do ídolo grunge. Quase dormi. Mas eu sei que ainda tenho muito o que aprender.

Abração, meu caro.